sexta-feira, 7 de agosto de 2009

APAGA!

Não acho errado que as pessoas que não fumam queiram não fumar em qualquer lugar. Não gosto de fumaça enquanto eu como, por exemplo, e não sou contra investirmos na melhoria da saúde pública. Gosto de respeitar direitos básicos dos outros, principalmente quando é tão simples quanto deixar de fazer alguma coisa aqui que pode ser feita lá.

Mas, que me perdoem os que se agradam com lógica raza, é necessário pensar na contramão. Como diria a grande cientista política Regina Duarte numa hora dessas, eu tenho medo do governador de São Paulo.

Não é diferente de um Fla-Flu. Ou de um Curíntia versus Parmêra, ou mesmo de um Brasil e Argentina. Não tem nada de amistoso. Na verdade a gente chama de amistoso para poder deixar vazar toda rixa, toda frustração e revanchismo, e dizer depois que é só um jogo. Os perdedores não deviam levar tão a sério. Os perdedores, é claro, são eles. Precisam ser eles. É uma questão pronominal simples. Eles são maus perdedores, nós temos fúria justa.

Meu problema é com essa rivalidade mesquinha que o episódio da lei anti-fumo fez transparecer. Não vi uma alma discutir o bem comum. O que eu vi foi uma briga de torcidas com números desiguais. Opiniões médicas mescladas com discursos inflamados (e eu já vi isso em algum lugar, mas envolvia nomes complicados, bigodes e chuveiros coletivos), truculência e desrespeito como exemplos de ação política (mesmo lugar, mesmos bigodes) e uma comoção besta, com gente vaiando e gente batendo palmas, onde deviam imperar estados de espírito mais nobres, como a preocupação com a coletividade (no tal lugar mencionado, o pessoal que vaiava sumiu).

Desta vez, deve ter sido divertido estar do lado do governador. É um torcedor de peso, daqueles que fazem o juiz pensar duas vezes antes de apitar uma falta. Aliás, fico me perguntando o que aconteceria com a torcida anti-fumo se ele não estivesse nela. Será mesmo que bateriam palmas para os multadores (fiscal não, porque ele foi lá pra multar, não pra fiscalizar) que entraram nos bares, restaurantes e afins na madrugada do dia 7 de agosto? E bater palma por quê? Não me lembro de quem bata palma para marronzinho multando carro mal estacionado. Melhor ainda, fico imaginando o Vila Country, o mesmo estabelecimento da Zona Oeste que não conseguiu conter a multidão de fumantes na estréia da lei-espetáculo, mandando todos os 5.000 pagantes saírem no meio de um show porque um multador, por algum motivo qualquer que represente risco à saúde dos clientes, mandou fechar a casa. Palmas? Eu acho que não.

Discutir sobre a validade da lei em si é ponto morto. "Tão útil quanto o pinto do Papa", diria Tarantino. Aos fumantes, só nos resta integrar a pré-batizada “turma da calçada”, que já apanha assim que nasce. Uma das chefas da operação “Apaga!” lamentou o excesso de bitucas nas ruas em que passou, resmungando algo sobre o fumante prestar contas da sua sujeira. Divertidíssimo é perceber que a força pública desconhecia bitucas em calçada até agora. Lá vem um imposto especial sobre o lixo, exclusivo para fumantes. Ou, melhor ainda, uma mente empreendedora qualquer vai inventar a bituca comestível. Teremos resolvido o dilema da “xerifa” da fumaça e ainda ganhado quitutes.

Mas isso é despeito de quem está do lado que perdeu. Fúria justa, mas improdutiva. Vamos levar os cigarros para fora, para longe. Vamos incentivar os cachimbos para deixar menos bitucas por aí. Vamos colaborar com o precioso ar que se respira. Eu só não consigo parar de apostar comigo mesmo qual será o próximo vício indecente e mórbido que será sanitizado em uma mega operação do governo. A operação “Salada!”, a “Limonada!” e a “Brochada!” já estão em alguma gaveta demagógico-moralista qualquer. Dessa vez, nosso governador partiu o cigarro do Amaury Jr. Se eu fosse reporter, ficaria longe dele nas próximas. Especialmente da "Brochada!". Até o Amaury Jr. merece a integridade das suas bolas.

Outro risco que se corre nessa onda de vaiar e aplaudir o "Apaga!" é a polarização de uma discussão pública. Dois lados. Um está certo, o outro errado. Um representa o bem, o outro, o mal. Se um dos lados tiver sucesso por vezes suficientes num mundo onde só existe o bem e o mal, fica claro quem é o bem. E o bem não precisa consultar o mal para agir. Na verdade, consultar o mal seria negligência. Isso, e a possibilidade de algum secretário da educação assistir "Fahrenheit 451" não me deixam dormir direito.

Foda-se o cigarro. Eu paro de fumar se for necessário para levar esta discussão adiante. Se continuarmos tratando a questão da liberdade versus bem estar coletivo como uma briga de torcida, esquecendo que os torcedores de peso são na verdade apostadores que não querem perder o que investiram, em breve os dois lados estarão vendo novelas.

Muito saudáveis.

E só.