domingo, 29 de agosto de 2010

Saudades do #$ da mãe.

Já que foi aberta uma imensa discussão sobre a propriedade das chacotas com (ou contra) candidatos, gostaríamos de lembrar o saudoso tempo da liberdade de expressão nas cédulas eleitorais.

Em 1988, o macaco Tião do zoológico do Rio de Janeiro repetiu o feito de Inês de Castro e foi, sem nunca ter sido, o terceiro candidato mais votado da cidade. Além do caso emblemático do símio, diversas combinações freudianas de partes do corpo (erógenas em sua maioria) com graus de parentesco faziam a festa da liberdade de expressão nas cédulas eleitorais em papel, até o inverno digital de 1996 banir do cenário político tão singelas manifestações. Em algum lugar, um anarquista fez um minuto de silêncio. Em vários outros, a maçonaria tecnocrática brindava com seus aliados Illuminatti e alienígenas (que forneceram a tecnologia das urnas) mais um golpe bem sucedido disfarçado de progresso.

Cidadão, humorista, homem de bem. Você que se revoltou com a mordaça humorística e passeatou até que a proibição fosse suspendida, lute agora pelo fim do teclado numérico nas urnas. Um tecladinho simples, de qualquer computador, nem precisa ser USB, e um ajuste mínimo no formulário de votação permitirá o retorno desse bastião da liberdade de expressão eleitoral.

Abaixo à ditadura digital nas urnas! Viva o/a (insira aqui um nome ou apelido de uma parte da anatomia humana constrangedora de se dizer na frente da sogra) do/a (insira aqui um parente qualquer).

sábado, 7 de agosto de 2010

Mascando

Havia algo em minha boca. No começo, achei que fosse um pedaço de comida, era pequeno e duro. Quando consegui prender entre os dentes e sentir com a língua, percebi que era sólido e quebradiço, como areia de praia.

Não, nunca comi propositalmente areia de praia só para saber qual era o gosto ou a sensação. Mas venta muito em praias, e crianças não são famosas pelo cuidado. Pelo contrário, saem correndo e gritando para fazer castelinhos de areia e pular ondas. Não creio que haja um ser humano sequer que tenha visitado uma praia na infância e não tenha mastigado o seu bocado de areia. É por isso que eu sei que parecia com areia. Qualquer um saberia.

Mas diferente da areia, que vai ficando mais fina e farinhenta conforme os dentes quebram os grãos, o que estava em minha boca aumentava em quantidade conforme eu mastigava. A mesma estranha sensação de estar quebrando algo cristalino e crocante, mas a sensação na língua era apenas de mais pedacinhos sólidos e irregulares.

Eu admito que foi estupidez minha. Eu devia ter aberto a boca e investigado visualmente o que era aquilo. Mas fiquei curioso. Como uma pessoa que cutuca uma ferida. Ela sabe que vai arder depois, mas no momento em que está cutucando, só quer saber o que está debaixo daquela casca. Eu só queria saber o que era aquilo que multiplicava quando deveria se quebrar em pedaços menores. E continuei mastigando e sentindo aquela massa de saliva e cristais quebradiços.

Continuei até sentir o gosto metálico do sangue. Cuspi numa pia branca, num banheiro branco, a mistura viscosa de saliva avermelhada, pontilhada de pequenos fragmentos brancos . Olhei para aquilo num silêncio tenso, até que as conclusões certas acharam seu caminho entre os neurônios para chegar até a consciência. Meus dentes. Abri a boca diante de um espelho num sorriso deformado para tentar enxergar meus dentes.

O reflexo se tornou um monstro de dentes trincados babando sangue.