Havia algo em minha boca. No começo, achei que fosse um pedaço de comida, era pequeno e duro. Quando consegui prender entre os dentes e sentir com a língua, percebi que era sólido e quebradiço, como areia de praia.
Não, nunca comi propositalmente areia de praia só para saber qual era o gosto ou a sensação. Mas venta muito em praias, e crianças não são famosas pelo cuidado. Pelo contrário, saem correndo e gritando para fazer castelinhos de areia e pular ondas. Não creio que haja um ser humano sequer que tenha visitado uma praia na infância e não tenha mastigado o seu bocado de areia. É por isso que eu sei que parecia com areia. Qualquer um saberia.
Mas diferente da areia, que vai ficando mais fina e farinhenta conforme os dentes quebram os grãos, o que estava em minha boca aumentava em quantidade conforme eu mastigava. A mesma estranha sensação de estar quebrando algo cristalino e crocante, mas a sensação na língua era apenas de mais pedacinhos sólidos e irregulares.
Eu admito que foi estupidez minha. Eu devia ter aberto a boca e investigado visualmente o que era aquilo. Mas fiquei curioso. Como uma pessoa que cutuca uma ferida. Ela sabe que vai arder depois, mas no momento em que está cutucando, só quer saber o que está debaixo daquela casca. Eu só queria saber o que era aquilo que multiplicava quando deveria se quebrar em pedaços menores. E continuei mastigando e sentindo aquela massa de saliva e cristais quebradiços.
Continuei até sentir o gosto metálico do sangue. Cuspi numa pia branca, num banheiro branco, a mistura viscosa de saliva avermelhada, pontilhada de pequenos fragmentos brancos . Olhei para aquilo num silêncio tenso, até que as conclusões certas acharam seu caminho entre os neurônios para chegar até a consciência. Meus dentes. Abri a boca diante de um espelho num sorriso deformado para tentar enxergar meus dentes.
O reflexo se tornou um monstro de dentes trincados babando sangue.
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